Jornada do Patrimônio Alimentar vai à Ilha de Itamaracá para vivência com marisqueiras
A atividade prática desta reta final da Jornada foi até Vila Velha, bairro histórico de Itamaracá e muito simbólico na pesca de mariscos
Postado em: Gastronomia | Patrimônio
Texto: Valentine Herold
Fotos: Ronny Colors
A cena é clássica, perpassa gerações e recortes temporais: seja na casa de um familiar ou amigo próximo, todos costumam se reunir na cozinha, ponto de encontro de conversas, confissões e preparos coletivos de muitos pratos. Agregadora e transmissora de saberes tradicionais, a gastronomia é, sem dúvida alguma, um dos mais fortes elementos identitários. E é justamente sobre esse tema,”Cultura Alimentar e Identidade Territorial”, que a 3° Jornada do Patrimônio Alimentar vem se debruçando ao longo desta semana, dando continuidade à 17º Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
Fruto de uma parceria do Governo do Estado, por meio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e da Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE), com os cursos de gastronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a Faculdade Senac (FacSenac), a Jornada teve continuidade nesta quarta-feira (28) com uma vivência com marisqueiras na Ilha de Itamaracá.
Recentemente um pedido de registro da mariscada como Patrimônio Imaterial foi enviado à Fundarpe. Dando início aos processos de pesquisa, debate e escuta que irão acontecer ao longo dos próximos meses, a atividade prática desta reta final da Jornada foi até Vila Velha, bairro histórico de Itamaracá e muito simbólico na pesca de mariscos. A vivência, que envolveu trilha, travessia de barco, demonstração de retirada de ostras de mangue, preparo das comidas e um almoço seguido de uma roda de conversa, aconteceu com marisqueiras e mestras cozinheiras da ONG Casa de Uaná.
Mulheres como Coquinha, nascida e crescida na Ilha e que, desde os 10 anos, sai diariamente para pescar. Ela aprendeu com sua mãe e hoje aos 58, continua na ativa, vivendo dessa atividade e integrando o projeto Caminhos das Pescadeiras, da ONG. “A minha vida é a pesca. Ostra, marisco, siri…A gente aqui vive disso, é nossa sobrevivência. Se tirassem a pesca iriam tirar um pedaço da gente, é muito importante para todos nós, não só por ser nossa fonte de renda, mas também pelo que representa. Pesar é bom demais! É muito cansativo, mas também dá muita satisfação. Quando chego na praia esqueço de todos os estresses e quando termino de pescar estou renovada. O mar, o vento, a areia, tudo me faz um bem danado, que não tem preço”, ressalta Coquinha.
Entender as práticas, heranças e processos diversos que envolvem o saber da mariscada é precisamente o objetivo do trabalho de pesquisa e de campo da Fundarpe e Secult-PE. De que maneira é realizada a pesca, quem são as pessoas envolvidas, como se limpa e se prepara o alimento, quais os tipos de mariscadas e moquecas existentes etc…. Essas e outras questões formam o todo desta iguaria, revelando a complexidade social, histórica e econômica que um patrimônio cultural e gastronômico possui.
Para a antropóloga e assessora técnica da Gerência de Patrimônio Imaterial da Fundarpe, Júlia Bernardes, essa vivência com as marisqueiras de Vila Velha joga luz sobre a multidisciplinaridade da Jornada do Patrimônio Alimentar. “Vemos na prática como as áreas da antropologia, história, gastronomia, turismo e economia estão interligadas e devem ser levadas em conta. Hoje foi um dia extremamente enriquecedor para todo mundo que participou. Nós, da Fundarpe e Secult e os estudantes de gastronomia da UFRPE e Senac. A gente espera com essa atividade fortalecer essas relações e, consequentemente, o patrimônio cultural alimentar do nosso Estado.”
Mariscos e marisqueiras
Moqueca seca de marisco, caldinho de marisco, mariscada, moqueca de marisco, beijú e salada. O marisco foi o ingrediente principal do almoço servido na vivência desta quarta (28). Em toda sua diversidade e combinações de sabores, ele reinou. Preparados de forma totalmente artesanal e tradicional, os pratos foram explicados pelas mestras cozinheiras na sequência.
Em torno de uma farta mesa de sobremesas com passas de caju (também produzidas na Casa Uaná), café passado a partir de grãos moídos na hora e tarecos típicos da Ilha de Itamaracá, as mulheres que pescaram e preparam os alimentos partilharam um pouco de suas histórias de vida e como essa transmissão de saberes gastronômicos acontece. A maioria delas aprendeu a cozinhar com as mães, tias e avós e perpetuam essa tradição. Se antes ficavam restrita ao ambiente doméstico, agora as receitas à base de marisco fazem parte do roteiro turístico de Vila Velha.
A importância desse território para a tradição da mariscada pernambucana é ressaltada pela assessora de Gastronomia da Secult-PE, Dianne Sousa. “Iniciamos a Jornada do Patrimônio Alimentar na segunda com momentos de seminários, palestras no Senac e na UFRPE. E o fechamento, que está acontecendo hoje, foi pensado justamente para ser uma vivência prática de outro processo que vai ser iniciado”, afirma Dianne. “Este ano recebemos o pedido de patrimonialização da mariscada, então nada mais justo que pensar num território tradicional. Essa relação, esse diálogo com o espaço e com as mestras já vem sendo construído e é muito bonito, simbólico.”




