Videoarte “Sethico” discute racismo nos espaços públicos recifenses
O projeto é realizado pelo Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido (NEXTO) e estreia neste sábado (24)
Postado em: Lei Aldir Blanc
Camila Silva/Divulgação

A performance passa por espaços públicos da cidade, como Cruz do Patrão, Ponte de Ferro, Igreja do Rosário dos Homens Pretos, Praça do Carmo do Recife, Casa da Cultura, Mercado da Boa Vista e Marco Zero
Entrando pelo Capibaribe, uma figura com uma máscara africana da etnia Fang, que era utilizada em rituais de julgamento, começa a visitar alguns pontos do Recife. Lugares como um mercado construído sobre um cemitério de pessoas escravizadas; um ponto de desova de africanos que não sobreviveram à travessia nos navios negreiros e uma antiga casa de detenção construída por mãos pretas e que aprisionou negras e negros escravizados e “criminosos livres”. Em cada um desses pontos, ele cola um lambe-lambe que evidencia os tentáculos do racismo em Pernambuco, da colônia e a escravização à covid-19, com 72% das mortes pela doença sendo de pessoas pretas e pardas. Essa é a proposta da videoarte Sethico, realizada pelo Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido (Nexto), que estreia no sábado (24), às 19h, no YouTube (www.youtube.com/channel/UC-NQOQY_7-zvXQdIKoPwvXQ) do grupo e em seu site (www.nextope.com).
Sethico é dirigido e protagonizado por Wagner Montenegro, nascendo a partir de reflexões sobre si e sobre o estar no mundo enquanto um corpo negro. O processo de criação contou com uma intensa pesquisa, realizada ao lado de Andréa Veruska (também roteirista e fundadora do Nexto) e orientada pela cineasta Danielle Valentim, engatilhada pela peça Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido, passando também por leituras de nomes como Grada Kilomba, Frantz Fanon, Abdias do Nascimento, Kênia Freitas, Jared Sexton e David Le Breton, em textos sobre afrofuturismo, afropessimismo, performance e cultura visual. Tudo acaba sendo amarrado à filosofia que orbita o deus egípcio Seth, que inspira a entidade protagonista do projeto e seu título.
“No Antigo Egito, Seth é o deus do caos. Não o caos que estamos vivendo, de massacre da vida negra, indígena, diaspórica e dissidente. Não o caos da opressão e da exploração, mas o caos primordial que põe a vida em ordem. É Seth quem protege e quem destrói o mal. Ele é capaz de criar e controlar as tempestades; de secar a terra e criar oásis no deserto. É Seth o condutor da barca solar do deus Rá, que é o símbolo da própria vida na Terra. Seth também tem o trabalho de ajudar as almas a caminho do céu e, todas as noites, luta contra a serpente Apóphis – o próprio caos. É por conseguir matar Apóphis todas as noites que o mundo ainda não foi devorado pelo caos”, explica Wagner.
O projeto então une simbolismo, alegorias e discursos diretos em uma experiência sensorial que confere às ruas do Recife uma atmosfera de desconforto, que emana daqueles espaços que carregam as cicatrizes de uma violência que se perpetua desde os primórdios do país e do estado. Eles são: Cruz do Patrão, Ponte de Ferro, Igreja do Rosário dos Homens Pretos, Praça do Carmo do Recife, Casa da Cultura, Mercado da Boa Vista e Marco Zero. Os lambes colados por esses pontos foram produzidos por Filipe Gondim e a performance teve Breno César na direção de fotografia, com trilha sonora original de Rafaella Orneles e Nino Souza. Já o figurino é da dupla senegalesa Ousmane Diop e Abdoulaye Dit Goumb Sow, com a máscara da Coleção Casa Africana. A videoarte é realizada com recursos da Lei Aldir Blanc Pernambuco. No dia 30 de abril, o projeto irá lançar um catálogo com ilustrações criadas por Wagner a partir das reflexões sobre os lugares de memória da escravização no Recife a partir da realização da videoarte.
SOBRE O NEXTO - O Núcleo foi fundado pelos atores e arte/educadores Andréa Veruska e Wagner Montenegro em 2012, após anos de pesquisas e iniciativas em Teatro do Oprimido, método teatral elaborado por Augusto Boal nos anos 1970. Desde então, o coletivo realiza laboratórios, pesquisas, oficinas, criações artísticas e intercâmbios no Brasil e no exterior. O último trabalho audiovisual do grupo foi a websérie Ferida, permeada por performances e entrevistas que giram em torno das violências de gênero.