A história de seu Higino, o dono da Kombi do cordel
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“Porque eu acredito que a razão da vida é partilhar. Não tem sentido viver isolado. Eu acho o capitalismo uma coisa muito bárbara, muito selvagem, entendeu?”. Quando perguntei ao Seu Antonio Higino o motivo pelo qual ele tinha uma “cordelteca”, foi essa a resposta surpreendente que ouvi. Nesse segundo, percebi que não estava diante apenas de uma amante da literatura do cordel, o famoso “apologista”, como dizem, mas de alguém dono de uma profunda compreensão do que é generosidade.
Seu Antônio Higino, nascido no Crato, tem uma kombi. No início, essa kombi passeava pela cidade carregada com as mercadorias da sua budega chamada hilariamente de “Aplausos – aqui o lascado tem vez”.
“Eu fiz uma pesquisa. Perguntava: por que na sua casa a empregada não é nutricionista? Ah, porque é lascada! E por que seu jardineiro não é um técnico agrícola? Ah, porque é lascado! Aí pronto, lascado não tem vez. Mas na minha budega tinha. Não era pra ofender. Mas quando a pessoa lê, faz ela refletir, e a partir da reflexão a gente pode mudar a realidade”. O mercadinho, que nasceu em 1985, foi pensado por seu Higino pra vender tudo rateado: café, manteiga, querosene. Ninguém precisava comprar um pacote inteiro, podia levar só o suficiente pro dia e o possível pro dinheiro.
Hoje em dia quem toma conta da budega é sua mulher, e ele é uma espécie de pequeno atacadista, que leva produtos pra vários comerciantes: pipoca, salgado, refrigerante, bombom, chocolate, bala, guloseimas. E junto com os produtos, ele passou a levar cordéis para emprestar aos budegueiros. A coisa deu tão certo, que hoje ele tem um acervo de mais de mil títulos, os quais ele dispõe em um catálogo organizado. Na frente do catálogo, o regulamento da cordelteca: “não vendo, não troco e nem dou. Mas empresto, basta que você exerça sua cidadania. Escolha aqui o cordel do seu agrado, leia, não pague nada e devolva-o ou justifique-se, no dia e local combinado”.
Em dezembro do ano passado até a reforma da velha kombi foi oferecida por um programa de tv, junto com um prêmio em dinheiro. Desde então, seu Higino vem rodando o país, dando entrevistas. Mas isso é apenas um detalhe. O relevante mesmo dessa história é que existe um homem incrível, que mora no interior do Ceará, e é completamente apaixonado por literatura de cordel e pelas pessoas.
Seu Higino no Clisertão
Ontem (16/07), na Cohab Massangano, seu Higino destribuiu cordéis e fez a alegria de cerca de 100 alunos da Escola Caic numa praça próxima ao colégio. A ação descentralizada acontece também amanhã, dessa vez na Escola Maroquinha. A Escola Jacob Ferreira, no bairro de Cosme e Damião também recebeu a Kombi do Cordel na segunda-feira.

