“A Receita” e as mulheres do fim do mundo
Postado em: Artes Cênicas | Festival de Inverno
por Márcio Bastos
Algumas obras são tão potentes, que após entrar em contato com elas, é impossível sair sem o estômago e a consciência revirados. A Receita, do Poste Soluções Luminosas, é desse tipo de trabalho. Apresentado na quinta-feira (28), dentro da Mostra de Teatro Alternativo do 26º FIG, na Casa Galeria Galpão, o espetáculo é um retrato cru da realidade de muitas mulheres oprimidas e violentadas física e emocionalmente por seus parceiros.
Juarez Ventura

Com interpretação visceral, Naná Sodré traz à cena a dor e a angústia de muitas mulheres
O monólogo interpretado por Naná Sodré e escrito por Samuel Santos retrata a vida de uma mulher oprimida no casamento, que passa os dias na cozinha, preparando as refeições para o companheiro adúltero e violento. Naná, com sua interpretação visceral, construída a partir do teatro físico, é um primor em cena. A atriz transmite toda a dor e angústia daquela mulher através de movimentos corporais que transitam entre o animalesco e o essencialmente delicado.
Na dor da personagem – que passa grande parte do espetáculo sem ser nomeada – o público encontra suas próprias. É um trabalho que, infelizmente, toca em uma memória coletiva fruto de uma sociedade machista, misógina, homofóbica. Ao final da obra, quando a personagem encontra sua libertação, é quase como se uma catarse coletiva ocorresse. Nesse contexto, a potência de Maria da Vila Matilde, de Elza Soares, tocada nos instantes finais, ganha uma significação ainda maior, ecoando gritos de todas as mulheres do fim do mundo.
Juarez Ventura

Da resignação à libertação, o público também vivencia o processo de empoderamento da personagem
CONVERSA
Assim como tem ocorrido após os espetáculos apresentados na Casa Galeria Galpão, Rodrigo Dourado mediou a conversa com Naná Sodré e Samuel Santos, do Poste Soluções Luminosas. Junto ao público, os artistas refletiram sobre o processo de criação do espetáculo, assim como o trabalho de pesquisa do grupo, voltado para o teatro físico, antropológico e para o resgate de raízes africanas.
Sobre a Mostra de Teatro Alternativo, os artistas enfatizaram a importância de reconhecimento dessas outras formas de fazer e ver teatro, abrindo espaço para novos pensamentos. “É importante que os artistas, que o público, saibam que é possível encarar outros lugares que não o palco tradicional como potenciais espaços para suas obras”, ressaltou Samuel.
Confira a programação de artes cênicas desta sexta-feira (29) e sábado (30):