A experiência de fazer teatro em casa
Residências têm se tornado palco de várias peças no Recife
Postado em: Artes Cênicas
Sala de casa. Gente sentada no chão. Gente sentada no sofá. Gente de pé. Gente apinhada pelos vãos. Esse é o cenário e a plateia que os atores Hilda Torres, Cleyton Cabral e Luciana Pontual encontraram nestas últimas quintas-feiras do mês de setembro ao encenarem os textos do jornalista e escritor Cícero Belmar, na Casa Outrora, no bairro da Boa Vista. Inusitada, a experiência do Teatro de Quinta, em transformar o espaço doméstico em espaço cênico, estabelece uma linguagem dramatúrgica mais intimista entre artista e espectador, e mostra que o “teatro feito em casa” é uma maneira eficiente/criativa de baratear os custos de uma produção.
Assim como o projeto Teatro de Quinta, vários outros grupos recifenses têm se dedicado atualmente a redescobrir novos espaços para encenar suas peças. O Teatro de Fronteira (liderado por Rodrigo Dourado) e o Casarão Outrora (casa de Jorge Clésio, que, além de um espaço cultural, funciona como um antiquário) são um deles, que veem no movimento uma oportunidade de repensar a estética e fortalecer a relação com outras linguagens artísticas, como a literatura.
A inciativa, embora pareça nova, já acontece há algum tempo na capital pernambucana. Segundo Alexandre Figueirôa, jornalista e professor da Unicap, esse tipo de intervenção artística na cidade remonta ao início da década de 90. “O crítico de arte e poeta Paulo Azevedo Chaves abriu os portões de sua casa na rua Amélia, nos Aflitos, para exposições de artes plásticas, lançamento de livros e montagens teatrais. Uma versão de A Tempestade, de Shakespeare, foi encenada lá com direção de Marco Camarotti e As Criadas, de Jean Genet, por William Sant’anna. No lançamento do livro Os Ritos da Perversão, de sua própria autoria, a sala da Casa Azul, como Chaves denominava seu espaço, foi palco de um recital acompanhado por uma atuação de rapazes cuja performance dialogava com os poemas da obra”, lembrou em um recente artigo para a Revista O Grito.
Ainda de acordo com ele, a prática surgiu nos idos anos de 1960 e 70, quando artistas e performances movimentavam seus ateliês e residências com os célebres “happenings”, e até hoje são polos de resistência cultural, principalmente, em países com governos intolerantes e de extrema opressão política. “O ‘teatro em casa’ é um formato que, entre outras coisas, rompe com a barreira entre o público e o privado. E, ao mesmo tempo, cria algo cada vez mais evidente no teatro atual [...] que explora a proximidade entre quem interpreta e quem assiste”, disse Figueirôa.

Em casa, público pode estabelecer um contato mais direto com os atores (Foto: Ricardo Maciel/Divulgação)
Nesta quinta (2/10), às 20h, o Teatro de Quinta encerra a temporada com textos de Cícero Belmar. O Cultura.PE convidou Cleyton Cabral (ator da peça), Xico de Assis (espectador) e o próprio Belmar (autor) para narrarem a experiência que tiveram ao participar/assistir à encenação, na Casa Outrora. Confira:
Cleyton Cabral – ator
“O primeiro contato que tive com a obra de Cícero Belmar foi em 2006, quando fui convidado para fazer a peça infantil A flor e o sol, de sua autoria. Foi amor à primeira vista. A partir daí, devorei os outros livros de Belmar e me apaixonei não só pelo dramaturgo, mas também pelo contista e romancista. E agora, estou eu, oito anos depois, em cartaz com os contos dele num espaço que não é o teatro. Tudo a ver. Os personagens de Belmar são tão próximos de nós que, quando a peça acontece nos cômodos de uma casa, é mais interessante exercitar essa humanidade juntinho do público, quase ao pé do ouvido”.
Xico de Assis – cantor e relações públicas
“Assistir a uma peça teatral numa residência, longe do formalismo teatro/plateia, é uma experiência, no mínimo, interessante. A plateia, por ser pequena, torna-se mais atenta e participativa. As nuances dos atores, as pausas e os improvisos, tão próximo do público, são elementos que credibilizam a atuação do ator de imediato. É uma experiência muito válida”.
Cícero Belmar – jornalista e escritor
“É muito curioso ver, em cena, o personagem que você escreveu para ser de um conto. Quando eu vi, movimentando-se, aquelas criaturas, interpretadas por Cleyton Cabral, Luciana Pontual e Hilda Torres foi emocionante. Claro, o que estava, ali, era uma ressignificação dos contos. Cada um dali dava sua contribuição de forma fundamental para as personagens que eu escrevi. Eu me emocionava não mais com os meus personagens, mas com a emoção dos atores ao viverem os personagens que eles se apropriaram e que agora são deles. Bonito demais!”