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Filme “Memórias de um ex-rio” estreia nesta quarta-feira (30)

Se você vive na Região Metropolitana do Recife, certamente já ouviu falar no Canal do Fragoso, ou melhor, do Rio Fragoso, em Olinda. Se forçar a memória, também vai lembrar que na televisão o assunto em torno do rio é quase sempre o mesmo: alagamentos, obra de canalização e concretagem de margem inacabada há anos, famílias tendo suas casas inundadas. Não precisava ser assim, mas tem sido. O filme Memórias de um ex-rio, de Gabriela Holanda, que estreia nesta quarta-feira, dia 30 de junho, às 19h, no canal do projeto no YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCLiI3zGwPePXk8f_HiCQ9eg). O filme conta com os recursos da Lei Aldir Blanc em Pernambuco.

O Rio Fragoso nasce em Ouro Preto, em Olinda, e segue dentre os bairros da cidade, passando por Jardim Fragoso, Tabajara, Casa Caiada, Guadalupe, Rio Doce e chegando até o Rio Paratibe, no Janga, em Paulista, num encontro com destino ao mar

“Nessa criação, trabalhamos muito numa perspectiva de revelar contrastes desse rio: água, concreto, deserto, vegetação, peles dos performers, peles dos lugares. O objetivo era também revelar os contrastes do rio e as relações de afeto e conflito entre rio, comunidade e poder público (ou cidade), pensando muito nesses vários rios que habitam um único rio. Trabalhei com a criação de paralelos entre as veias e artérias das pessoas com a imagem do Rio e o Rio como o sangue da cidade”, conta Gabriela Holanda.

A OBRA - A ideia de canalizar o Rio Fragoso e de concretagem de suas margens surgiu para melhorar o sistema viário da região em torno do rio, pois prevê a integração entre a PE-15, em Olinda, e a PE-01, em Paulista. A obra inicial é dividida em quatro etapas e já custou à população R$ 451 milhões (somados recursos federais e estaduais) e mais de oito anos de obras interrompidas e de enchentes ano após ano.

A contradição quando o assunto é melhorar a vida da população está, justamente, no fato de que a obra, mesmo depois de pronta, não resolverá o problema das enchentes nos períodos de chuva. Além dos problemas advindos da obra, trata-se de um projeto ultrapassado, pois a técnica de canalização de rios não vem sendo utilizada em diversos países desde os anos 70. No caso do Fragoso, seria muito mais barato revitalizar o rio, conectando meio ambiente e espaço urbano.

Para falar sobre o tema, a diretora do filme conversou com moradores do entorno do Rio Fragoso e com ambientalistas, engenheiros e urbanistas visando entender e trazer para o debate as questões socioambientais que foram totalmente esquecidas no decorrer da idealização e execução da obra.

A DANÇA - Dançarina, atriz e performer, Gabriela Holanda dirigiu e performou Memórias de um ex-rio porque sentiu que a ecoperfomance traria a potência necessária para dar mais visibilidade à causa do Fragoso. A partir da escuta ativa em entrevistas com moradores dos entornos do rio, sendo ela própria residente da área atingida pelas enchentes e pela obra, Holanda quer propor o diálogo. A ideia é pensar na possibilidade de criar parques lineares, revitalizar e regenerar a relação rio-comunidade.

Em termos de dança, o projeto dialoga com a ecoperformance e também com a dança contemporânea. A diretora propõe um olhar para a dança numa perspectiva ecológica, trazendo o que ela chama de “composição situada no lugar”, para se conectar com a ecoperformance. Pensando nos movimentos apresentados no curta, é possível perceber a presença constante do espiral e do serpentear como base para a investigação de movimento e composição para dança.

“Eu vou dançar a partir da relação porosa e afetiva com o lugar. Não vou criar uma coreografia e simplesmente transplantar para aquele lugar. Os movimentos têm relação com a observação do lugar e com as histórias das pessoas. Todos os dançarinos e dançarinas são de Olinda e participaram de laboratórios online, trabalhando a questão da água e das memórias de cada um com o Rio”, conta Gabriela Holanda.

Se utilizando da arte e do olhar crítico, o curta propõe a reflexão através da relação entre dança, cinema e a cidade. Com caráter performativo, ele destaca a relação entre corpo e ambiente,  corpo e rio, corpo e a cidade, ao mesmo tempo que tem uma perspectiva observacional e documental para a cidades, para os outros seres humanos e não-humanos que são permeados por essa relação afetuosa e conflituosa com o Rio Fragoso.

FRAGOSO RESISTE - Moradora de Olinda, Gabriela Holanda vive na pele o que é sofrer com as inundações do Fragoso. Assim como ela, moradores do entorno do rio também relatam piora nas enchentes desde o início das obras. Por isso, para monitorar os impactos ambientais e os efeitos colaterais das obras do rio Fragoso, foi criado o coletivo Fragoso Resiste, que questiona a falta de estudos dos impactos ambientais que as obras causam para o município de Olinda e defendem que as propostas apresentadas pelo projeto não são capazes de solucionar os alagamentos.

A ideia de resistir e de se preocupar com a vida das pessoas e dos rios, conta a diretora do filme, faz com que o filme dê frutos. Por isso, além de trazer um pouco da história recente do Fragoso neste filme, em outros projetos a ideia é continuar dialogando com a dança, o cinema e a ecoperfomance, com o olhar para outros rios da RMR.

A diretora do curta foca ainda na importância da criação de tratamento de esgoto nas áreas das redondezas do Fragoso, pois, segundo ela, a carência de serviços básicos como este ainda são escassos para muitas famílias do local

“Precisamos repensar a lógica da obra, pensar na criação de parques lineares, não pensar em canalização, em concretar um rio nos dias de hoje. Precisamos dessa relação rio-comunidade. Chegou a verba e não houve diálogo com a sociedade. Temos também a questão das indenizações para observar e questionar. O ano é 2021 e tem gente sem esgoto, temos um rio vivo sendo poluído e cercado de concreto”, questiona Holanda.

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