Na Jornada, patrimônio alimentar atravessa fronteiras municipais e estaduais
Na UFRPE aconteceram intercâmbios entre técnicos de Pernambuco e Minas Gerais, além de doceiras da Região Metropolitana do Recife, Zona da Mata Norte e Agreste
Postado em: Patrimônio
O segundo dia da 3ª Jornada do Patrimônio Alimentar, nesta terça-feira (27), realizado na Biblioteca Setorial Manuel Correia de Andrade, no câmpus-sede da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no bairro de Dois Irmãos (Zona Oeste do Recife), foi dividido entre dois tipos de trocas de experiências. O primeiro, no intercâmbio entre a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) acerca de Gastronomia e Identidade Territorial; o segundo, sob o tema Gastronomia Pernambucana como Patrimônio, teve como foco os saberes sobre quatro tipos de doces: doce de guabiraba, de Paudalho (Zona da Mata Norte); bolo barra branca, de Bezerros (Agreste); cartola; e bolo de noiva.
Este ano sob o tema Cultura Alimentar e Identidade Territorial, o evento é fruto de uma parceria do Governo do Estado, por meio da Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), com os cursos de gastronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Faculdade Senac (FacSenac). Integra a 17ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, que, apesar do nome, conta com programação desde o início deste mês de agosto.
Pela manhã, a professora Ericka Calabria, coordenadora do curso de Gastronomia da UFRPE, mediou a palestra A Experiência em Minas Gerias: Sistemas Culinários da Cozinha Mineira – o Milho e a Mandioca – Candidatura do Queijo Minas à Patrimônio da Humanidade. Para esse colóquio foi convidado Luis Molinari, diretor de Promoção do Iepha-MG, que dividiu a mesa ainda com Marcelo Renan de Souza, gerente de Patrimônio Imaterial da Fundarpe.
Um dos reflexos da importância da gastronomia como vetor de identidade cultural, como apontou Marcelo Renan, tem sido o recente boom de pedidos para que vários produtos, e seus processos, tornem-se patrimônio cultural em Pernambuco. O mesmo, de acordo com Luis Monari, ocorre em Minas Gerais. Ambos os gestores falaram um pouco da experiência de construção da política de patrimônio cultural, com respectiva metodologia, para uma plateia formada em sua maioria por alunos de gastronomia da UFRPE.
No debate após as palestras ficou mais evidente o percurso das experiências pernambucana e mineira. Enquanto a primeira geralmente parte do pedido de registro de um produto consolidado (como, por exemplo, o bolo de noiva, o queijo coalho, o doce de guabiraba, a mariscada, a manta de ovinos e caprinos de Petrolina ou o café de Taquaritinga do Norte), a segunda costuma ter início na identificação dos saberes, processos e práticas socioculturais associadas a cada produto.
“É extremamente importante para os órgãos de preservação manter intercâmbios técnicos com os de outros Estados”, ressaltou Marcelo Renan. “Este ano trouxemos a experiência do Iepha-MG, no reconhecimento da cozinha mineira e do queijo minas. É interessante para nós, porque temos o processo de reconhecimento do queijo coalho e de outros bens do patrimônio alimentar pernambucano. Para nós, técnicos, serve como uma troca de conhecimentos técnicos entre instituições; e, para os estudantes, a oportunidade de conhecer mais a fundo esses processos de reconhecimento do patrimônio alimentar”, compartilhou o gerente.
Já Luis Molinari considera que os profissionais de patrimônio cultural precisam desse tipo de intercâmbio e cada vez mais desses encontros para discutir procedimentos, metodologias, legislação e formas de fazer. “Existe, obviamente, um entendimento de como fazemos a proteção do patrimônio cultural, mas também o fazer dessa proteção é muito importante”, afirmou. “Eventos como esse são muito importantes para que possamos somar esforços, entender procedimentos e criar consensos em relação a formas de abordagens de patrimônios”, disse o diretor.
DOCE QUE TE QUERO DOCE - A tarde da 3ª Jornada do Patrimônio Alimentar, nesta terça-feira (27), na UFRPE, ficou ainda mais açucarada. Com mediação da antropóloga, Luciana Gama, assessora técnica da Fundarpe, doces pernambucanos com grande potencial de serem reconhecidos como patrimônios imateriais do Estado ilustraram a palestra e debate sob o tema Gastronomia Pernambucana como Patrimônio. A professora da casa Ericka Calabria voltou à mesa para falar sobre a cartola; as doceiras Lucia Maria dos Santos, Isabel Cristina Assis da Silva e Maria do Socorro de Assis defenderam o doce de guabiraba; e a também professora Cristianne Barros, da Faculdade Senac, retomou os assuntos dos bolos de noiva e barra branca, já abordados na segunda-feira (26), na FacSenac.
A emoção tomou conta da mesa formada apenas por mulheres, que compartilharam experiências dessas delícias de patrimônios que atravessam o Estado, do Litoral ao Agreste, passando pela Zona da Mata Norte. No debate suscitaram sugestões como a elaboração de uma cartilha do patrimônio alimentar e a instrumentização para tornar as pessoas doceiras aptas a concorrerem ao título de Patrimônio Vivo de Pernambuco. A tarde, claro, terminou com uma degustação de amostras desses doces tão desejados.
A professora Ericka Calabria, que participa da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco desde a primeira edição, e há dois anos possui uma ligação ainda mais afetiva com a realização da Jornada do Patrimônio Alimentar, lembrou como o patrimônio imaterial ganhou maior representatividade ao longos dos anos. “Percebi também que a Semana foi se interiorizando, saiu mais do Recife, e cada vez mais as questões do patrimônio imaterial foram surgindo”, contou. “Fico muito feliz que a gastronomia, que já era reconhecida nos editais, vai se inserindo nas políticas culturais como uma linguagem, uma área dentro de patrimônio, e vai sendo valorizada. A UFRPE fica muito feliz por participar e cooperar com essa demanda”, celebrou.