Carrero, Torres e o sertão dos afetos
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O tema da mesa era o sertão visto em dupla face: mítica e contemporânea. Sentados no palco, dois sertanejos: Antonio Torres, natural do Junco (hoje Sátiro Dias), na Bahia. Raimundo nascido em Salgueiro, em Pernambuco. Ambos escritores, romancistas reconhecidos dentro e fora do Brasil, admiradores mútuos de suas respectivas obras.
O sertão passa pelas falas, mas mais que discussão central acaba por tangenciar com uma improvável suavidade um outro centro que se impõe na memorável mesa de debates que aconteceu ontem (15/05) à noite, no auditório da UPE, durante o I Clisertão. Na mesa redonda “Sertão: espelho, miragens – O Nordeste Mítico e o Nordeste Contemporâneo na Literatura”, o centro acabou por ser o afeto, a emoção, a admiração entre os escritores, a imponderabilidade da vida, e a literatura alinhavando a tudo junto com o inevitável sertão das vidas dos debatedores.
Torres fala da infância e diz: “eu sou um sertanejo que viveu o sertão mítico”, e relembra como foi ser alfabetizado pela mãe que só aprendeu a ler por um ato de rebeldia, e como a cultura mítica do nordeste influencia a sua obra. Já Carrero diz que não viu esse sertão, não experimentou a seca, a dureza: “em Salgueiro chovia sempre”, e conta do medo da chuva que tinha, quando anoitecia. As memórias e a criação vão encontrando correspondências ao longo das falas, que seguem um percurso espontâneo.
O rigor da obra de Carrero é citado pelo escritor baiano, que ressalta o “trabalho de carpintaria severo” ao qual o escritor se dedica. Carrero explica que a música é algo basilar na sua obra, e que esse rigor nasce daí: “Eu escrevo como quem toca música. O som, o ritmo, a harmonia. Eu acho que a música teve uma influencia muito grande na minha obra. Sem a música, talvez eu não tivesse tanto rigor”.
Ariano Suassuna, que estava na plateia, é diversas vezes citado por Carrero como um grande influenciador e incentivador da sua trajetória. Ao final do debate, Suassuna faz uma fala informal sobre o sertão, contando uma história tocante sobre a seca e emocionando a todos os presentes.
