Cine Trailer: filmes na rua e para a comunidade
Projeto acontece no bairro de Campo Grande, com sessões de cinema gratuitas, graças à paixão de um morador pela Sétima Arte
Postado em: Audiovisual | Economia Criativa
por Leonardo Vila Nova
Era apenas uma rua comum, como tantas por aí, em plena zona Norte do Recife… Uma rua tímida, pacata, silenciosa, com um trailer instalado num dos lados da calçada e quase sem um pé de gente dando o ar da graça. De repente, num piscar de olhos, tudo se transforma: o trailer abre, acende suas luzes, ganha cadeiras em volta para receber um público que, gradativamente, vai surgindo, e um telão ao lado onde são exibidos filmes. A rua se torna praticamente uma sala de cinema. É o amor de um jovem pela Sétima Arte quem opera essa verdadeira transformação chamada Cine Trailer, uma iniciativa que, semanalmente, movimenta a Rua Cruz Alta, no bairro de Campo Grande, levando cinema gratuito e de qualidade ao público da comunidade.
Desde novembro de 2014, o produtor Willamy Tenório, morador da região, vem tocando o projeto. O trailer fica aberto sempre de quinta a sábado, das 20h às 5h, com as sessões de cinema acontecendo na sexta. A ainda pouca idade do rapaz (26 anos) surpreende tamanha a gana e desenvoltura ao colocar em prática a ideia. “Eu quis trazer aqui pra rua uma opção diferente de lazer e cultura. Algo que a gente não está acostumado a ver por aí, pela cidade”. E foi isso: Willamy resolveu fazer do trailer em que sua mãe vendia almoços um point de arte e cultura da sua região. Com o engajamento e colaboração dos amigos, grafitou a unidade inteira (dando um ar mais “descolado”, alternativo) e conseguiu doações de mesas e cadeiras. Os equipamentos de som e projeção, assim como o telão, foram um investimento próprio, fruto dos seus 11 anos de trabalho na área do audiovisual.
Costa Neto/Secult-PE

O produtor cultural Willamy Tenório, morador de Campo Grande, é o idealizador do Cine Trailer
Willamy começou a se interessar por cinema ainda adolescente – por volta dos 15 anos – e contou com o suporte da TV comunitária Canal Capibaribe, que funcionava próximo à sua casa. Lá, ele participou de um curso de seis meses, com abordagem nas mais diversas searas do audiovisual – direção, roteiro, produção, captação, edição – e foi mergulhando cada vez mais nesse universo, profissionalizando-se. Em meio às atividades de realizador e produtor, que abraçou com gosto, ele começou a repassar o que aprendeu a outros jovens. “Comecei a ministrar oficinas em alguns bairros do Recife, em ações itinerantes, e em outras cidades, com apoio do Governo ou pelo Festival Pernambuco Nação Cultural. Além disso, com o pessoal do Canal Capibaribe, levamos mostras de cinema a lugares como Jordão, Hipódromo”, relembra. Entre essas atividades, projetos inscritos (e aprovados) em editais estaduais e nacionais, Willamy se sentiu motivado a transformar essa itinerância em algo fixo. Nada melhor do que o “quintal de casa” para por em prática essa nova etapa da sua vida: assim surgiu o Cine Trailer.
Nessa “primeira etapa” do projeto, a programação é composta por 20 curtas-documentários contemplados pelo edital Nós na Tela, do Ministério da Cultura. Willamy e outros jovens de várias partes do Brasil produziram filmes que tem como norte a temática “Cultura e transformação social”, algo que casa bem com a realidade que ele coloca em prática na vida. Todos os realizadores tiveram direito a receber o acervo de todas as produções, assim como de exibi-las. “São filmes que tratam de transformação social, e se passam em comunidades de várias partes do Brasil. É algo bem próximo do que se vive tanto aqui como em qualquer outro lugar”. A ideia é que numa próxima fase sejam exibidos filmes resultantes das oficinas ministradas por Willamy nos bairros da cidade. “A gente pensa em trazer os jovens realizadores que participaram dessas oficinas pra verem seus filmes sendo exibidos para um público, pra que eles conversem com esse público”, adianta.
Costa Neto/Secult-PE

O trailer onde a mãe de Willamy vendia almoços se transformou num ponto de exibição de filmes e de lazer
Além da exibição dos filmes, o Cine Trailer funciona como point de lazer e interação, com outros atrativos. No local, são vendidas bebidas e comidas, e há sempre um convidado responsável pela trilha sonora ambiente, um DJ. “O público quer algo diferente. Por isso, contamos com essas outras opções para agregar e gerar renda, o que faz o Cine Trailer continuar funcionando”, conta Willamy. Para isso, o envolvimento dele e de alguns amigos e apoiadores é fundamental. Na coordenação geral e realização, Willamy comanda todo o modus operandi que põe o cinema pra funcionar. Sua esposa é responsável pela parte administrativa do espaço. O grafiteiro Caju foi quem coloriu o trailer com sua arte. O amigo Diogo Rogério foi convocado para se encarregar da cozinha do trailer, que serve espetinhos e caldinhos. Há ainda o suporte técnico de amigos como Leandro Silva, morador do bairro e cinegrafista (que foi aluno de Willamy). “Eu o ajudo nas projeções. E faço isso porque acho que está sendo muito importante pro bairro você poder mostrar algo novo, o que pode estimular outras pessoas a mostrar seus filmes aqui”, relata.
O Cine Trailer é um contraponto interessante às salas de cinema comercial, dos blockbusters e dos shoppings. Imerso num ambiente onde o campo de visão se volta mais para o que acontece dentro da comunidade, lá, naquela tela, ela se reconhece, se vê. “Acho que uma das coisas que mais me motiva a fazer isso aqui é poder contribuir com um processo social positivo. E mostrar esses filmes com essa cara, com a cara dessas pessoas, o público se identifica mais. E também poder mostrar aqui filmes que não vemos nos cinemas e nas TVs”, relata Willamy. Alguns moradores do local e da vizinhança, já ligados no Cine Trailer, se juntam em frente ao telão, para acompanhar, atentamente, o que mostram os filmes. Entre eles, o agente de bagagens Fabiano, 28 anos, que, sempre que pode, comparece. “Eu acho muito legal aqui pra comunidade você trazer uma opção diferente de diversão”, atesta.
Costa Neto/Secult-PE

O espaço, além da exibição de filmes, também se tornou ponto de encontro dos moradores do bairro
Willamy conta que o público está se ampliando e que pessoas de outras localidades já começam a aparecer no local para assistir aos filmes. A editora de vídeo, Raphaella Spencer, que mora na Madalena, foi conferir in loco o Cine Trailer. “O cinema, por si só, já é uma das melhores formas de fazer as pessoas pensarem sobre como a arte pode mudar nossa realidade. E assistir filmes ao ar livre, tomando uma cerveja, em um bairro residencial, com jovens que estão conseguindo quebrar a rotina e reinventar seu próprio lugar, com bons filmes e boa música, só deixa tudo mais especial”.
Com planos de consolidar o Cine Trailer como uma iniciativa de referência no local e na cidade, Willamy conta que abrirá um canal de diálogo com diversos realizadores do estado que estiverem dispostos a exibir seus filmes no projeto. Para isso, pretende, em breve, ampliar os dias de exibição dos filmes e os gêneros a serem exibidos. “Queremos poder exibir, no futuro, clipes, documentários, ficção e até mesmo longa- metragem”, adianta. Os interessados em exibir seu filme no Cine Trailer, podem fazer o contato através do email: cinetrailerpe@gmail.com.
O segredo de tamanha garra e disposição para manter esse espaço funcionando, semanalmente, ele resume em poucas palavras: “Eu sou de comunidade humilde, vi e vivi muita coisa. E foi o cinema quem me mostrou que há um outro lado! E eu gosto disso que faço e consegui fazer tudo isso com muita vontade. Basta ter iniciativa e atitude! Se eu consegui, qualquer jovem pode conseguir! Só o cinema salva!”
