Cinema brasileiro nas escolas em discussão no FestCine
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Nesta quinta (4), mais uma importante etapa do 16º do FestCine envolveu o público que participa do festival: o seminário “Cinema e Educação: Uma reflexão sobre a aplicação da Lei 13.006/2014” reuniu professores, gestores públicos, realizadores, estudiosos e interessados em debater o dispositivo legal que pretende ampliar o acesso às produções cinematográficas brasileiras, a partir das salas de aula. Ao longo de todo o dia, os presentes acompanharam uma série de mesas e debates, no auditório da Faculdade Joaquim Nabuco.
Quem abriu as atividades, durante a manhã, foi a coordenadora de Cultura Popular da Secult-PE/Fundarpe, Teca Carlos, com o tema “Lei nº 13.006/2014, andamento e aplicabilidade”. O dispositivo somou-se à Lei de Diretrizes e Bases (9.396/1996), a partir de uma proposta do senador Cristovam Buarque. É lá, no Art. 26º, que foi acrescido o § 8º, que estabelece uma cota de 2 horas de exibição de filme nacionais em salas de aula de todo o país, como componente curricular, integrado à proposta pedagógica das escolas. A proposta é potencializar a difusão das produções brasileiras – ainda pouco conhecidas do público em geral –, e estimular nas crianças e jovens o envolvimento – e consequente desenvolvimento – com as atividades cinematográficas em toda a sua amplitude.
Em sua fala, Teca destacou que essa lei é uma antiga luta daqueles que militam na área do audiovisual. Uma batalha que vem sendo travada há mais de 20 anos, com o envolvimento de diversos atores do setor. Mas ela chamou a atenção de que as conquistas são lentas, graduais e que é preciso tempo – aliado à coragem e determinação – para encontrar caminhos de fazer com que a lei não seja uma conquista apenas no papel. “O ser humano tem uma arrogância existencial de achar que todas as revoluções devem acontecer enquanto ele estiver vivo. Mas o que acontece é que estamos construindo coisas para o futuro, para as gerações que virão. Essa é a nossa luta. A nossa militância”, lembrou.
Outra questão pontuada por Teca acabou sendo o mote da atividade que veio a seguir. Na mesa “Como introduzir o cinema nacional nas escolas, tornando essa obrigatoriedade interessante para os alunos”, com Adriana Fresquet e Milene Gusmão, e mediação de Cynthia Falcão. “A questão não é a aprovação da lei, e sim como executá-la”. A afirmação de Teca reflete bem a preocupação das debatedoras que vieram a seguir. O debate girou em torno, a partir de então, da aplicabilidade da lei, da garantia de condições para a sua execução. Adriana Fresquet citou três pontos básicos com relação a isso: Conteúdo (seleção dos filmes, critérios); formação de professores; e acessibilidade (plataformas, banda larga de qualidade para todos).
“É preciso que haja um trabalho colaborativo no sentido de lutarmos pela regulamentação e operacionalização dessa lei”, pontuou Adriana. Segundo ela, existem muitos obstáculos ainda na questão estrutural para a exibição desses filmes. A digitalização do cinema brasileiro avança numa medida que o Brasil ainda não alcança, apresentando um déficit nas plataformas de exibição. “De que adianta uma escola lá no interior do país querer cumprir essa lei, se ela não possui uma banda larga que suporte a exibição dessas produções, se não há plataforma adequada?”, questionou.
“Tudo que é obrigatório gera resistência!”, disse Milene Gusmão ao referir-se a outro ponto, que é o envolvimento de alunos e professores nessa nova dinâmica gerada pelo que determina a lei. Primeiro, quebrar a resistência dos alunos com relação a esse universo cinematográfico “novo” – bem diferente do trator midiático que envolve os blockbusters. A cineasta Kátia Mesel, presente no seminário, ao citar uma experiência de disponibilização de parte da sua obra para unidades de ensino municipal, em atividades ligadas ao Campus Party, entrou na discussão. “Quando a criança se interessa por aquilo que está vendo, quando sabemos estimulá-la, ela reage de forma positiva”, acrescentou. Segundo, chegou-se à conclusão de que é preciso que professores, durante o seu período de formação acadêmica, também recebam formação na área de cinema, visto que não é suficiente – assim como não é proposta da lei – apenas exibir filmes, mas tomá-los como objeto de discussão e reflexão em sala de aula. E é preciso que o professor seja um facilitador nesse processo. Adriana Fresquet mostrou um pouco da experiência exitosa do Cinead, programa de extensão e pesquisa, que desenvolve ações conjuntas com a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e foi responsável pela criação de sete escolas de educação básica e média na área de cinema.
Com relação aos critérios de escolha dos filmes a serem exibidos em sala de aula, uma diversidade de opiniões surgiu durante a atividade. “Existem filmes que dialogam com determinado tipo de público, com determinada região, que dialogam com realidades e repertórios de vida bem específicos. Outros, não”, pontuou Milene Gusmão. “A questão da seleção dos filmes é essencial. Se o filme não for bem escolhido, pode causar certa ojeriza e até mesmo afastar o aluno”, acrescentou o realizador Antônio Carrilho, que também estava presente.
Em meio aos muitos pontos de vistas, meandros e nuances que o assunto despertou entre debatedoras e público, viu-se que, mesmo com a existência da lei, ainda são necessários dispositivos que a regulamentem, para garantir que sua execução, levando o cinema nacional aos mais diversos públicos, principalmente àquele que pouco acesso tem a esse bem cultural: crianças e jovens. A lei existe. Agora, o próximo passo é debater e lutar para mais avanços, como a sua regulamentação. O primeiro passo já foi dado.
