Circo como casa e destino
Postado em: Artes Cênicas | Festival de Inverno
por Márcio Bastos
Se é para o que nasce, Francisca Vidal soube desde cedo que sua casa e ofício eram o circo. Filha de circenses, ela vive há 50 anos na estrada, tendo como referencial de morada o picadeiro. Proprietária, junto com o marido, Mário, do Disney Circo, ela aportou na quinta-feira (28) com sua trupe no Parque Euclides Dourado para participar da 26ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns. Rodeada pela família, ela compartilhou conosco a experiência de nascer, crescer e criar sua família nos picadeiro.
Nos bastidores da estrutura montada no Euclides Dourado, Francisca supervisiona os últimos preparativos dos artistas antes de entraram em cena. Retoca a maquiagem de uma, dá instruções a outra. Ali, é empresária, mas também mãe e avó. Sim, porque assim como outros tradicionais circos de Pernambuco, o Disney Circo é essencialmente familiar. Seus nove filhos e oito netos, se não estão envolvidos nas atividades da família, estão se preparando para. Não que haja pressão: todos são livres para buscar seus sonhos. A questão é que, quase invariavelmente, essa paixão está no circo.
“É uma coisa de sangue mesmo. Minha mãe, por exemplo, tem 74 anos, uma casa, mas não deixa de viajar com o circo. Ela, como eu, gosta de viajar, de ver a plateia se divertindo, dos aplausos. É uma vida com altos e baixos, mas pela qual sou apaixonada”, contou.
A história de dona Francisca é indissociável do circo. Quando conheceu Mário, se apaixonaram e como não tiveram o aval da família dela não pensaram duas vezes: fugiram com (outro circo). Para ela e sua família, o circo não é só sustento, é amor. “Meu grande desejo é perpetuar essa tradição. Meu marido vem de uma linhagem de cinco gerações no picadeiro. Eu, de duas. E agora tenho meus filhos e netos e quero que eles continuem esse legado”, afirmou.
No que depender de sua prole, esse desejo será atendido. Daniele, 31 anos, filha de Francisca e Mário, também nasceu dentro do picadeiro e nele se casou. “Perguntamos ao padre se ele aceitaria nos casar no circo. Ele disse que a gente era doido, mas topou”, relembrou. Atualmente morando na Europa com o marido (também circense) e as duas filhas, ela conta que já chegou a cogitar outra profissão, gastronomia, mas que o circo é sua paixão primeira.
“Comecei a trabalhar com cinco anos. É o tipo de ofício que se passa de pai para filho, com paixão. Temos muita liberdade para não seguir, mas é difícil não continuar quando você cresce nesse universo. De manhã, é estudo, à tarde ensaio e à noite espetáculo. É uma rotina difícil, mas tão boa. Cheguei à conclusão que o circo é destino. Pelo menos é o meu”, afirma.
A itinerância é uma das partes difíceis da vida circense. As crianças, segundo o o artigo 29 da lei 6.533/1978, podem se matricular temporariamente na escola mais próxima de onde a lona estiver montada. Segundo Francisca, no entanto, muitas instituições dificultam o acesso. “É uma luta, mas a gente não desiste”, enfatizou.
Segundo ela, a rotina de ensaios é intensa, pois encantar o público é o objetivo maior. A plateia, aliás, é a razão de ser do circo. No entanto, nos últimos anos, como observa a matriarca da trupe, a presença dos espectadores vem caindo. “Acho que é essa coisa da violência, a perda do hábito de sair e ir ao circo. São muitos fatores, mas o circo, como sempre fez, vai resistir”, reforçou.
A trupe do Disney Circo, formada por 15 artistas, é diversa. De crianças a senhores, como o índio Falcão Dourado, atirador de facas e há 30 anos nos picadeiros. Mário Vidal, marido de dona Francisca, enfatiza que a família circense não é só aquela de sangue, mas a de todos que fazem a engrenagem se mover, a lona subir e o espetáculo acontecer. “Isso aqui é nossa paixão, nosso ganha pão, nosso passado e nosso presente. E, se deus quiser, o futuro dos nossos filhos”, disse.
Juarez Ventura

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Luzes se apagam, música começa, o público aplaude enquanto o apresentador indica: senhoras e senhoras, o espetáculo vai começar. E pela próxima hora e tanta, o Disney Circo e seus integrantes fazem os olhos brilharem, os risos ecoarem e o coração perder alguns quilos. Sob a lona, durante o espetáculo, a vida é mais leve, o tempo tem outro ritmo. É um universo próprio que a “normalidade” e a modernidade insistem em minar. O circo e sua irreverência, ainda hoje, representam perigo por mostrarem que outras formas de vida são possíveis. Podem tentar miná-lo, mas, na rua ou no palco, seus habitantes hão de resistir.



