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Erasto foi fazer baile no céu

O músico, de 69 anos, morreu na noite desta quinta-feira (27), em decorrência de uma parada cardíaca.

Eric Gomes/Secult-PE

por Michelle Assumpção

A partida de Erasto Vasconcelos encerra uma história de cinquenta anos de arte, uma trajetória marcada por encontros e trocas musicais do mais alto nível, generosidade e amor pela música, pelos bichos, pelas crianças e pelos amigos. Avesso à badalações, Erasto passou seus últimos anos de vida e de arte morando na singela Maranguape I, conjunto habitacional em Paulista. Até o fim, nutria a vontade de sempre lançar seus projetos musicais e aceitava convites dos amigos músicos que sabiam exatamente a grandeza de sua obra e o tiravam de casa, sempre que tinham oportunidade, para fazer o que ele mais gostava: tocar.

Um cara simples, de muita inteligência, sentimentos e criações. A história profissional com a música começa em 1965, no Rio de Janeiro, acompanhando movimentos como a Tropicália e o Clube da Esquina, quando tocou ao lado de Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso e Lô Borges. Os anos 70 foram marcados pela presença em Nova York, onde foi por duas vezes. Na primeira, em 1977, apresentou-se ao lado do lendário saxofonista Stan Getz e participou do disco Stone Aliance, com Marcio Montarroyos e Hermeto Pascoal. Voltou em 1978 e morou na rua 84, em Manhattan, por dois anos, depois um ano no Harlem.

Lá, tocou com um músico chamado Ronald Shannon Jackson, com quem lançou o vinil Eye on You, em 1980, lançado pela About Time Records. Fizeram apresentações pelo circuito universitário, com uma banda que tinha ainda o músico Vernon Reid (guitarrista do Living Colour, grupo de rock formado só por negros). Também tocou com um músico chamado Édson Machado, que fazia bossa nova. A saudade de sua terra o trouxe de volta, em 1981.

Seus encontros musicais derradeiros aconteceram com a turma de Olinda. Entre eles, os que mais lhe deram a mão: banda Eddie, de Fábio Trummer e ainda de Roger Man. Com esses artistas, se envolveu em diversos projetos, circulou por muitos lugares e estúdios. Foi Trummer que, em 2005, produziu Jornal da Palmeira, que viria a ser o único disco solo de Erasto.

O percussionista havia voltado aos palcos praticamente pela via da Banda Eddie, tocando percussão e encantando o público mais jovem que, desconhecendo sua importante trajetória, vibrava quando ele, junto com Fabinho, nos shows da banda Eddie, interpretava a gafieira O Baile Betinha, de sua autoria. A composição depois entrou no repertório de Erasto no CD Jornal da Palmeira, com uma execução arrebatadora feita por Pupillo na bateria, Trummer na guitarra e a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, sob a batuta de Ademir Araújo, nos metais.

Reprodução

Reprodução

Capa do CD Jornal da Paraíba

O repertório do disco reuniu doze músicas, composições do baú, de épocas variadas da vida de Erasto, lindamente arranjadas e produzidas. Recife, O Baile Betinha, Mauricéia, Pipoca do cinema, Azulão poema, Forró das meninas, Adivinhação, Capiba disse que é pra já, Poema da paz, Guia de Olinda, Ceci e Maranguape. Temáticas que lhe eram caras e davam conta de seus grandes interesses na vida: a fauna, a flora, as danças, as festas regionais, Recife, Olinda, Maranguape. Um registro que influenciou toda uma geração de músicos pernambucanos.

Recentemente, o percussionista também havia criado o projeto musical Erasto e Banda Netumar. Poemas e canções criados durante sua viagem do Rio de Janeiro a Nova York, em 1978, num navio da Marinha Mercante Brasileira. Netumar era o nome da companhia e do navio. Ao som de violões e percussões, Erasto declamava poesias e contava suas histórias. O último show de Erasto aconteceu em julho deste ano, durante o Festival de Inverno de Garanhuns, quando apresentou algumas de suas composições mais populares.

Erasto também estava feliz por ter concretizado uma vontade de muitos anos, que era reeditar o livro infantil Dez cantigas de roda, um maracatu, um afoxé, mais cuidado, existe uma cobra. Em 2015, incentivado pelo Funcultura, o artista conseguiu uma reprodução fac-símile (reprodução exata da publicação original, incluindo fontes de letras, ilustrações, diagramação e paginação. Até as marquinhas de ferrugem dos grampos foram mantidas).

O livrinho mescla historinhas e partituras assinadas pelo maestro Ademir Araújo e um CD encartado com interpretações à capela do disco Fazenda Rosa, uma produção caseira que foi produzida em reduzidas quantidades e se esgotou. Cada página pode ser contemplada separadamente, pois, apesar do encantamento da Cobra pela Florzinha ser o fio condutor dos textos, há divagações por temas da cultura popular, objetos e encontros com outros bichos.

Divulgação

Divulgação

Nessa nova versão, a obra vem acompanhada por partituras assinadas pelo Maestro Ademir Araújo e um CD

De forma que Erasto – que partiu na noite do dia 27 de outubro – deixou sua sementinha plantada no coração da música de Pernambuco e em vários outros territórios por onde passou. Talvez tenha ido ao encontro do querido irmão, Naná Vasconcelos, que partiu em março deste ano. O que se sabe é que, por aqui, hoje é dia de Pernambuco inteiro chorar.

Assista ao documentário “Erasto Vasconcelos – Um Milagre”:

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