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Prêmio da Gastronomia Pernambucana busca democratizar o reconhecimento aos mestres do Estado

Todo 8 de dezembro, a grande festa que toma o Morro da Conceição, Zona Norte do Recife, possui sempre um elemento que já está completamente fundido nas tradições da celebração da padroeira da cidade. E ele não vem da capital pernambucana, mas sim do Agreste, de Limoeiro. São os confeitos produzidos em Gameleira, comunidade do município com uma tradição confeiteira que atravessa gerações e reúne famílias em torno de uma produção que garante renda e identidade cultural, com seus doces espalhados pelas festas religiosas de todo estado.

A história dessa confecção passa pelo nome de uma uma matriarca: a Dona Maria do Confeito, que passou a ser chamada assim ao se tornar uma das grandes referências da identidade gastronômica pernambucana. Por mais de 50 anos, ela fez do açúcar, erva-doce e castanha não apenas uma forma de sustentar os 10 filhos, mas sua missão de vida e uma referência em cultura popular gastronômica. Dona Maria de Limoeiro é a homenageada da primeira edição do Prêmio dos Saberes e Fazeres da Gastronomia Pernambucana.

A iniciativa do Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria de Cultura e sua Assessoria de Gastronomia, busca incentivar com o prêmio nomes que fortalecem e mantêm viva a grandeza da gastronomia pernambucana. A valorização dessas pessoas e de suas contribuições se insere dentro de um esforço necessário em descentralizar e democratizar esse reconhecimento das suas contribuições para a identidade cultural pernambucana, uma postura que, de acordo com especialistas no tema, é mais que urgente.

A pesquisadora e professora especialista em história da alimentação Rozélia Bezerra reconhece que há uma necessidade de uma valorização da cozinha pernambucana e seus agentes que chegue a diferentes tipos de periferia. “Existem fatores econômicos e sociais que acabam privilegiando certos aspectos da gastronomia pernambucana em detrimento de outros. É claro que elementos como os bolos Souza Leão, de rolo ou de noiva são importantes para a identidade do Estado, mas é preciso também que a valorização daquilo que é a gastronomia pernambucana ultrapasse algumas barreiras sociais e geográficas, que acabam trazendo uma distinção gastronômica responsável por muito desconhecimento de verdadeiros patrimônios espalhados pelo estado. É preciso se voltar para as periferias geográficas e dos saberes da cozinha do estado”, exemplifica Rozélia.

A Professora Rozélia Bezerra, especialista em história da alimentação

A Professora Rozélia Bezerra, especialista em história da alimentação

É nesse sentido que as políticas públicas em relação à valorização da gastronomia pernambucana precisam alcançar também trabalhos como o de Dona Maria de Limoeiro, das feiras e mercados, das comidas de festas, as cozinhas carregadas pela ancestralidade dos povos originários e africanos, dos coletivos populares, as produções artesanais e os disseminadores dos conhecimentos.

O primeiro Prêmio dos Saberes e Fazeres da Gastronomia Pernambucana busca fazer um esforço nesse sentido. A pesquisadora e ocupante do assento de gastronomia do Conselho Estadual de Política Cultural, Thaynna Sousa, ressalta esse caráter da iniciativa de valorizar cozinhas tradicionais que muitas vezes não possuem acesso a políticas públicas de reconhecimento e estímulo.

“O edital do prêmio foi concebido para valorizar a gastronomia enquanto cultura. Vemos muito ela sendo tratada como uma questão de status e não como saber cultural. É preciso fazer esse resgate, homenagear esses fazedores de cultura como dona Maria de Limoeiro e tantos outros que fazem suas comunidades serem reconhecidas e trazem pertencimento por meio disso. Porque a gastronomia está na nossa vida desde quando começamos a nos alimentar e passa pelas tradições, pelas feirinhas e tudo isso. Quando a gente fala de pertencimento, fala de gastronomia e cultura que vêm das comunidades”, afirma Thaynna.

Se você é uma dessas pessoas que estão na luta pela força da gastronomia pernambucana enquanto identidade e cultura, não deixe de conferir nosso edital (aqui) e participar do Prêmio. As inscrições seguem até o próximo dia 28 de abril, pelo Mapa Cultural de Pernambuco. São R$ 96 mil em prêmios para indivíduos e coletivos com trajetórias que promovem a difusão da gastronomia pernambucana em todas as suas expressões.

HOMENAGEM

Entre agosto e janeiro, a comunidade de Gameleira mergulha na produção dos doces que vão percorrer as principais festas religiosas do estado, reunindo cerca de 30 pessoas de diferentes famílias da localidade. E tudo começou há mais de seis décadas com Dona Maria José de França, que aos 18 anos se tornou aprendiz na confecção dos tradicionais confeitos e, com o passar dos anos, se tornou a grande referência que é na gastronomia popular pernambucana, passando o legado para a sua família e sua comunidade.

Dona Maria do Confeito partiu em agosto de 2020, em decorrência da covid-19, mas o legado de seus doces segue por meio da família e do coletivo que leva seu nome e organiza a produção atualmente em Gameleira, povoado a 7 km do centro de Limoeiro. “O confeito para Dona Maria não era sobre dinheiro, era um sentido de vida. Mesmo quando ela adoeceu e não podia mais fazer parte da produção, ela ficava o dia todo lá, sentadinha e observando tudo, fazendo as correções necessárias. Mesmo não indo para as festas, ela sempre estava com um sorriso no rosto vendo o pessoal saindo e voltando das vendas”, conta Maciel França, membro do coletivo e filho de dona Maria.

A rotina ainda é a mesma, no período chamado de safra, durante as festas, o dia começa às 4h da manhã e segue noite adentro, passando pela confecção em si dos confeitos, o processo de embalagem nos icônicos cones que tomam as festas religiosas. A produção é feita de forma artesanal, nas casas dos pequenos produtores, aos moldes semelhantes de uma agricultura familiar, movimentando a economia local e gerando tradição cultural e pertencimento.

“Minha mãe foi uma matriarca para a comunidade. E seus confeitos se tornaram um verdadeiro patrimônio do estado. Durante a pandemia, com a suspensão das festas e redução das missas, demos um jeito de levá-los e manter acesa essa tradição. No Morro da Conceição, por exemplo, levamos os confeitos de forma improvisada, ficamos em um beco e muita gente veio atrás de diferentes cidades, com relatos de que o confeito fazia parte de suas promessas para a santa. Esse é o tamanho do legado de Dona Maria”, conclui Maciel.

Dona Maria do Confeito de Limoeiro, homenageada pelo prêmio

Dona Maria do Confeito de Limoeiro, homenageada pelo prêmio

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