Outras Palavras reforça ensino de cultura em Casa Amarela
Bairro na zona norte do Recife recebeu mais uma edição do projeto, que já envolveu cerca de 9 mil estudantes pernambucanos
Postado em: Fundarpe
Jan Ribeiro

O escritor e historiador Karl Schurster falou sobre conflitos mundiais a partir do livro “Esther: uma estrela na guerra”
Por Camila Estephania
Buscando acrescentar à educação dos estudantes da rede pública estadual, o projeto Outras Palavras, realizado pela sistema Secult-PE/Fundarpe, teve mais uma edição de sucesso na última quinta-feira (14), quando aportou na Escola de Referência em Ensino Médio Ageu Magalhães, em Casa Amarela (Recife). Na ocasião, o escritor e historiador Karl Schurster e o músico Gilú Amaral conversaram com os adolescentes sobre a importância do consumo cultural não só como uma forma de compreensão da sociedade, mas também como um aprendizado tão fundamental quanto o das disciplinas escolares na formação de cidadãos. A iniciativa proporciona essa experiência de imersão na cultura desde 2015 e, até agora, já chegou a cerca de 400 escolas, tendo alcançado em média 9 mil alunos e doado aproximadamente 6 mil livros.
Jan Ribeiro

Márcia Branco, do Outras Palavras, comemorou as cerca de 400 escolas atingidas pelo projeto
Lançado neste mês, o livro “Esther, uma estrela na guerra”, de Schurster, deu o tom do debate com os adolescentes, que foram provocados a refletir um pouco mais sobre os conflitos que marcaram a nossa história mundial. A obra é o primeiro trabalho infanto-juvenil do autor e conta a história do Holocausto a partir da vida da pequena Esther, cuja família judia é vítima do Nazismo, que vigorou na Alemanha durante a década de 1940. Embora a história se passe em época e país diferentes, Schurster alertou para a proximidade dessa realidade com a do próprio Brasil. Ao lembrar do genocídio indígena, a escravidão e seu consequente racismo que, infelizmente, persiste até hoje, além da repressão aplicada atualmente aos setores mais insatisfeitos da sociedade, o historiador destacou a universalidade do tema abordado no livro.
“Sempre que a política perde para a violência, é um caso de Fascismo. A gente tem a impressão que a história ensina alguma coisa, mas não. A história pode servir de advertência, mas os erros estão sempre sendo repetidos. O grande problema é que os nossos mecanismos de informação apurada são muito poucos”, explicou ele, sobre as diversas facetas que o Nazismo pode assumir. Schurster também frisou que, apesar do livro partir de uma personagem fictícia, foi uma forma de humanizar e dar voz a tantas pessoas reais que tiveram suas histórias apagadas pelos opressores.
Jan Ribeiro

Os alunos da Escola Ageu Magalhães, em Casa Amarela, conversaram com os artistas convidados.
“Estudar o Holocausto é estudar os direitos humanos, ele mostra do que a humanidade foi capaz de fazer e deve servir como advertência para lembrar até onde a gente pode chegar em tempos de exceção, e estamos vivendo vários momentos de exceção atualmente. Estamos voltando a discutir direitos que já estavam consolidados. A gente não pode apostar nessa geração que está dividida e não acredita em política, a gente precisa apostar na que vem. A leitura e a comunicação são sempre as melhores formas de chegar nessa base”, opinou o escritor, sobre a importância da literatura para conscientizar os jovens.
Dentre os temas discutidos que mais causaram curiosidade nos alunos, a interpretação dos livros trouxe à tona o potencial que cada história apresenta. “Sartre citou uma vez que nós não nascemos vendo o mundo, nós aprendemos a ver o mundo. Isso quer dizer que cada um interpreta as coisas de acordo com as suas próprias referências”, comentou ele, para reforçar que não existe um sentido absoluto para as histórias.
Já o percussionista Gilú Amaral usou a música para falar sobre a cultura como um traço de identidade de um povo. “É muito importante conhecer a música do nosso Estado para saber quem somos nós e de onde a gente vem. Se você tirar a cultura de uma pessoa, você tirou tudo dela, por isso é importante a gente estar antenado ao que é nosso”, defendeu ele, depois de tocar um Coco para os alunos e ensinar a diferença entre Maracatu de Baque Solto e de Baque Virado e suas origens africanas e indígenas. Entre uma música e outro, Gilú foi bastante didático ao apresentar para os alunos os instrumentos que usava, como o hanging drum, o caxixi, o talking drum e o pandeiro, sempre diante do olhar curioso dos adolescentes.
Jan Ribeiro/Secult-PE

O percussionista Gilú Amaral relembrou sua trajetória e apresentou instrumentos e ritmos da música pernambucana
No entanto, os momentos de conversa também foram pontuados pela memória de sua trajetória como uma forma de incentivar os jovens interessados a se dedicarem à música. Integrante fundador da Orquestra Contemporânea de Olinda e considerado um dos principais expoentes da percussão brasileira por Naná Vasconscelos, com quem também já trabalhou, Gilú recordou o início da carreira em coletivos de ônibus e destacou que o importante é que cada um trabalhe com o que mais gosta e acredite nisso.
“A gente esquece dos nossos sonhos e é condicionado a ter um profissão formal da qual não gostamos. Se você quer seguir um caminho e seus pais não querem deixar, faça com que deixem. Temos que ter autonomia e escolher. Eu tive muito foco e nunca quis outra coisa, por isso sempre fui aplicado, porque para fazer música você tem que estudar muito também”, esclareceu ele, ao responder uma estudante que disse também querer seguir a carreira musical.
Jan Ribeiro/Secult-PE

Os alunos interagiram com a apresentação cantando músicas de ritmos como o Coco e o Maracatu
“Fiquei muito feliz de participar de um projeto como esse, porque acho que a escola também deve ter esse papel além da educação convencional. É importante que a escola proporcione essa aproximação de trazer o artista para os jovens conhecerem, porque o jovem é muito bombardeado pelas coisas que estão na mídia e, por isso, muitas vezes não conhece sua própria cultura”, enfatizou Gilú, que cativou os alunos atendendo aos pedidos para tocar maracatu e respondendo às perguntas sobre a origem das músicas que executava. A experiência reforçou que, muitas vezes, os jovens só precisam ter a cultura a seu alcance para consumi-la.