Dia dos Caboclinhos celebra a ancestralidade indígena deste Patrimônio Imaterial do Brasil
Após a descoberta de uma assembleia indígena realizada em Goiana em 30 de março de 1645, data ficou marcada como Dia dos Caboclinhos
Postado em: Cultura popular e artesanato
Laís Domingues/ FUndarpe

Os movimentos de lutas guerreiras e da caça indígena fazem parte dos passos de dança do Caboclinho
O ano era 1645 e o dia, o mesmo de hoje: 30 de março. Acontecia, na Aldeia de Itapissirica, hoje município de Goiana, Zona da Mata Norte de Pernambuco, uma assembleia indígena, reunindo diversos povos da região. Em pleno Brasil Colônia, as populações originárias já se viam sob grandes ameaças e sentiam a necessidade de se unir para manter sua sobrevivência. Mais de 370 anos se passaram e esta data continua sendo um marco da luta indígena em todo o território nacional e também para o Caboclinho, expressão cultural nordestina que é Patrimônio Imaterial do Brasil e tem sua origem nas tradições indígenas.
A jurema, o toré, os movimentos de lutas guerreiras e da caça nos passos de danças, as loas e toadas. A ancestralidade indígena ecoa em toda a preparação e em todos os movimentos dos caboclinhos. É ela que une os mais de 70 grupos presentes em Pernambuco, que costumam se reunir anualmente no Encontro Estadual organizado pelas associações junto à Fundarpe por volta do mês de abril. A grande festa deste ano ainda está sendo planejada, mas já nesta quinta (30) acontece o Seminário Estadual de Caboclinhos e Índios, organizado pela Associação Carnavalesca dos Caboclinhos de Pernambuco. O encontro é aberto ao público, das 8h às 12h, e reúne representantes de grupos de caboclinhos do Recife, da Região Metropolitana e da Mata Norte.
Para o coordenador de Patrimônio Imaterial da Fundarpe, Marcelo Renan, esses encontros e celebrações coletivas são de extrema importância para a salvaguarda do caboclinho no Estado. “Os grupos costumam se apresentar historicamente durante o período carnavalesco, após a realização das celebrações individuais de cada grupo, que passam pela preparação religiosa individual e coletiva dos seus brincantes”, explica. O pesquisador lembra ainda do marco que foi o Inventário Nacional de Referências Culturais do Caboclinho de Pernambuco, realizado entre 2011 e 2013, que permitiu que a manifestação recebesse o título do Iphan em 2016.
“Desde a produção do inventário, que subsidiou a instrução do Registro do Caboclinho como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Iphan, a Fundarpe e a Secult têm apoiado evento dos grupos e associações dos caboclinhos, priorizado a contratação destes no Ciclo Carnavalesco, no Festival de Inverno de Garanhuns, Fenearte e outros eventos apoiados, além de garantir o acompanhamento técnico da Coordenadoria de Patrimônio Imaterial, no desenvolvimento das diretrizes e do plano de salvaguarda do Caboclinho de Pernambuco.”
Manutenção do legado indígena
Os primeiros registros dos caboclinhos no Estado datam de 1903, mas não há como definir este período como o de nascimento da expressão cultural. É muito provável que esta manifestação popular tenha se originado anos antes, como boa “tradição ameríndia nordestina”, como definiu Mário de Andrade. Na década de 1930, o poeta e pesquisador lançou sua famosa Missão de Pesquisas Folclóricas que percorreu o Nordeste com o intuito de registrar danças e músicas tradicionais. “De todas as danças dramáticas que vi, os caboclinhos são o único bailado verdadeiro”, escreveu.
E é justamente essa ancestralidade, esse aspecto tão genuíno e secular que, junto às penas coloridas das indumentárias e aos passos ligeiros e hipnóticos da dança, que chamam tanto a atenção no caboclinho. Para Jeane Gonçalves Ferreira, brincante e presidente do grupo União 7 Flexas de Goiana, a missão de manter vivo o legado de todos que vieram antes é muito forte. Junto ao Sete Flexas do Recife, Carijós do Recife e ao Tribo Canindé do Recife, o União Sete Flexas de Goiana é Patrimônio Vivo de Pernambuco.
“Não podemos deixar nossos ancestrais serem esquecidos. Temos essa questão espiritual e religiosa muito forte no Caboclinho. Quem fundou o União foi meu pai, que era medium e vivia aparecendo para ele um caboclo de 7 flechas. Ele já faleceu e hoje dou continuidade a seu trabalho dentro do nosso grupo. Assim como meu pai, carrego essa simbologia comigo, no nosso ritual da caçada do bode na madrugada do Sábado de Zé Pereira e depois do Carnaval quando fazemos a doação da colheita para os caboclos em forma de agradecimento pela paz e prosperidade.”
Saiba mais sobre a tradição dos Caboclinhos com os documentários “Cabocolino” (senha: joaodecordeira) e “Mestre Paulo 7 Flechas”, produzidos através da Lei Aldir Blanc, com incentivo da Secult-PE:

