Livro da Cepe imortaliza o ator e ativista Pernalonga
Primeiro título do jornalista Márcio Bastos tem lançamento nesta sexta-feira (13) na Bienal do Livro
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Antonio Roberto de Lira França (1959-2000) é a personificação do anti-herói. Em sua efêmera existência deixou um legado de defesa da liberdade sexual, política e social em tempos opressores e ditadores. Negro, soropositivo, pobre, semianalfabeto, estapeou o preconceito com a mesma energia dedicada ao teatro, à cultura e às pessoas que amou. Formou-se na boêmia, em que conheceu intelectuais como Jomard Muniz de Britto. Nunca foi de interpretar um só papel nesta vida. Foi ator, dançarino, arte-educador, militante das causas LGBTQIAPN+. Participou de peças e ações educativas para conscientização sobre HIV e aids no tempo em que muita gente ainda achava que o vírus contaminava só de respirar.
Antonio Roberto ficou mais conhecido pelo apelido, o mesmo que dá nome ao título Pernalonga: Uma Sinfonia Inacabada (Cepe Editora), primeiro livro do jornalista Márcio Bastos, que foi setorista de artes cênicas nos jornais locais durante dez anos e atualmente estuda a área em sua pesquisa de mestrado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A obra faz parte da Coleção Perfis e é lançada nesta sexta-feira (13), às 19h, no Auditório Círculo das Ideias da 14ª Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.
“Foi um ator criativo, agitador e ativista que fez da sua experiência material empírico para a sua arte, mas nunca uma camisa de força para o seu talento”, escreve Márcio em uma das 204 páginas do livro. Vinte delas dedicadas a fotografias de várias fases da vida do ator. Imagens que ajudaram a imortalizar a defesa da liberdade em contraponto à caretice vigente no life style bipolar recifense em que vanguarda e conservadorismo se encontram na esquina do contraditório.
Nome dos mais citados quando se fala do Grupo de Teatro Vivencial Diversiones, que revolucionou a cena teatral pernambucana nos anos 1970, Pernalonga ainda é um protagonista pouco conhecido da narrativa do mundo real. Difícil encontrar conteúdos mais aprofundados sobre sua vida e produção artística. “Esse, inclusive, foi um dos desafios dessa pesquisa: resgatar a carreira de Pernalonga para além do Vivencial”, revela o jornalista, que se deparou com muitos fatos impossíveis de serem checados. Para contornar essa dificuldade Márcio apresenta as várias versões que lhe foram apresentadas.
Unanimidade, porém, é sua importância incontestável para o teatro pernambucano. Além de seu trabalho no Vivencial Diversiones, Pernalonga protagonizou peças como 7 Fôlegos, escrita por Jomard Muniz de Britto; O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna e Chico Rei, ambas do grupo Teatro Ambiente do MAC. Pela primeira recebeu o Troféu Espontâneo de Melhor Ator Coadjuvante.
O reconhecimento, infelizmente, não encontrou o ator em vida, mas chegou com a criação do Prêmio Roberto de França (Pernalonga) de Teatro, idealizado pelo Governo de Pernambuco em 2017 para incentivar artistas e coletivos teatrais. O filme Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, segundo Márcio, é outro exemplo da potência que o imaginário de Pernalonga e seus companheiros ainda incita. O teatro olindense onde se apresentou tantas vezes, no qual investiu tempo e dinheiro, e que, na última fase da vida, conseguiu também administrar, agora chama-se Teatro do Bonsucesso — Roberto de França Pernalonga.
“Pernalonga transmutou-se quase em um mito olindense, um tipo de personagem que se funde à paisagem urbana e à identidade de uma cidade, como o poeta Miró da Muribeca e a travesti Lolita para o Centro do Recife, e Madame Satã, nascida em Pernambuco mas símbolo da Lapa no Rio de Janeiro”, compara o autor.
Sua morte precoce e trágica – vítima de latrocínio – abreviou muitas outras peças teatrais e sabe-se lá mais quantos projetos culturais. Márcio até consegue conceber: “É possível imaginar Perna brilhando no novo ciclo do cinema pernambucano, repetindo o magnetismo que expressou quando foi filmado por Jomard Muniz de Britto. Não é arriscado afirmar o quão combativo Pernalonga seria diante do recrudescimento da intolerância, do autoritarismo e de retrocessos em conquistas de minorias sociais”, pontua o jornalista.
Antes do lançamento, o autor participará da mesa As Muitas Vidas de Pernalonga, ao lado de Rosângela Lira (irmã de Pernalonga) e com mediação do jornalista e pesquisador teatral Leidson Ferraz.
Serviço:
Lançamento do livro Pernalonga: Uma Sinfonia Inacabada (Cepe Editora) - sexta-feira (13), às 19h, no Auditório do Círculo das Ideias da 14ª Bienal Internacional do Livro de Pernambuco (Centro de Convenções, Olinda). Preço do livro: R$ 50 (impresso) e R$ 20 (e-book)



